10 DE NOVEMBRO DE 2007, SÁBADO
Em preparação para o Conselho Nacional
No Nonagésimo Aniversário do “Grande Outubro”
A Urgência na Renovação do Comunismo!
A celebração da Grande Revolução de Outubro não deve ser apenas um ritual que esvazia o nervo do seu significado - o ensaio para o socialismo - nem uma ocultação dos seus desaires e insuficiências. A melhor homenagem que hoje os comunistas lhe podem prestar é desvendar os seus dilemas e resolvê-los como parte da retomada da iniciativa transformadora. Com a realização do Conselho Nacional espera-se por contribuições dos camaradas para chegarmos a uma posição inclusiva acerca do que é, sem dúvida, um marco na identidade comunista - o 7 de Novembro!
Os acontecimentos protagonizados pelo proletariado russo que abalaram o mundo em 7 de Novembro de 1917 culminaram uma ampla renovação do comunismo contra a degeneração cultivada pela estrutura oficial do movimento operário e comprovaram a premência na sua abertura constante ao movimento do real.
A celebração do 7 de Novembro não se deve confundir com rituais retóricos, nem escamotear os problemas que, do ponto de vista do socialismo, não foram ou não se conseguiram resolver. Foi singular o papel de Lenine nesse período, na concretização de novas soluções e no lançamento do ensaio para o socialismo. A Grande Revolução de Outubro confrontou-se porém com dificuldades não antecipadas.
[1] Menorizou a instituição da liberdade e do parlamento com a dissolução da Assembleia Constituinte por esta ainda reflectir uma correlação pré-revolucionária de forças. Rosa de Luxemburgo contrariou frontalmente os bolcheviques afirmando que a falta de representatitividade não deveria suprimir um órgão fulcral da democracia mas conduzir a novas eleições. Na perspectiva da renovação comunista importa acentuar que o parlamento é conquista da democracia representativa que não pode ser ameaçada pelas peripécias da táctica revolucionária. Nem podem, uma alternativa, um avanço democrático ou uma revolução descurar os necessários actos constituintes da democracia, segundo princípios e regras democráticas que organizem o poder e a legitimidade governativa.
[2] Os sovietes constituíram-se em órgãos de democracia popular participativa, simultaneamente originais e reconstituintes do sonho da Ágora clássica. Comprovaram no seu efémero dinamismo, o potencial de renovação democrática segundo as magníficas construções teóricas e intuições dos pais-fundadores da Revolução Americana e Francesa, Jefferson e Robsepierre, aos quais Marx deu depois desenvolvimento. Constituiu fragilidade séria do projecto revolucionário o ter permitido ao estalinismo esvaziar esse impulso para uma forma de Estado despótico. Para a Renovação Comunista, importa repor a visão democrática mais fecunda plasmada nos órgãos do poder popular e impulsionar o desejo de participação dos povos para a construção da “Felicidade Pública” (Thomas Jefferson). Democracia participativa, democracia representativa e a garantia das liberdades, direitos e garantias dos cidadãos, são para a Renovação Comunista indissociáveis da alternativa e a inspiração instituidora do projecto comunista.
[3] A Grande Revolução acreditou que a mera reversão do poder e da propriedade gerariam espontaneamente a nova economia socialista. O espontaneísmo não se materializou, antes redundou num modelo estatal, hierarquizado, extractor coercivo de sobreproduto, tão gerador de opressão assalariada e relutância produtiva pelo trabalhador como os praticados pelo capitalista privado. Desvalorizou-se assim o impulso à auto-determinação produtiva e à livre associação cooperativa dos trabalhadores onde se restaurasse a unidade entre produtor e o produto do seu trabalho. Falhou assim a mobilização do génio produtivo dos trabalhadores e não se assegurou vantagem competitiva do socialismo a longo prazo. Para a renovação da estratégia económica comunista importa assumir com clareza que o papel do Estado, por muito importante que seja, não pode iludir a necessidade de novas relações de produção desassalariadas, reapropriadoras, socialistas, promotoras da autodeterminação do produtor e da associação livre e cooperativa dos trabalhadores.
[4] A concepção estatal foi ainda associada a teses de supressão abrupta do mercado que consideravam essenciais a intervenção política e a prioridade à economia estatal a fim de contrariar o que seriam impulsos naturais na espécie para reproduzir constantemente o capitalismo, uma concepção refém do pensamento burguês segundo o qual a história não seria mais do que a marcha natural do homem para o capitalismo. Só assim nasceria a nova economia. O que importa sublinhar hoje é a grave confusão entre economia estatal e economia socialista que daí resultou e a ilusão de que a supressão política e jurídica da troca mercantil levaria à supressão das operações mentais de valor que se produzem e reproduzem constantemente na economia, regulando e ajustando poderosamente os comportamentos.
[5] Em contra-ponto com a visão estatista, outras perspectivas, evolucionárias, de competição entre modos de produção com recurso aos estímulos mercantis afirmaram-se na direcção bolchevique no período da NEP (New Economic Policy) iniciada por Lenine em 1921. Com a NEP limitou-se o administrativismo do Estado e deu-se ênfase à aliança operário-camponesa conhecida como a política da foice e martelo, base do compromisso social de apoio à revolução. A NEP restabeleceu muitos dos mecanismos da troca mercantil e o controlo do valor acrescentado pelas unidades económicas com sucesso na remobilização do empenho produtivo para responder à penúria instalada no período de supressão mercantil.
[6] A discussão seminal acerca da transformação económica interrompeu-se quando a usurpação estalinista eliminou fisicamente os seus protagonistas. Ao interromper a NEP, a direcção de Estaline fez crer a milhões de comunistas que avançava quando afinal recusava uma resposta socialista ás dificuldades da economia estatal. A retoma da iniciativa histórica está hoje intimamente ligada ao regresso a este debate, à superação dos dilemas que engendrou, e à modelação de uma alternativa tanto ao capitalismo privado como à economia estatal, sobretudo por ser a economia do Estado muito prevalente e poder constituir-se em plataforma de transformação se os seus trabalhadores empunharem a reclamação de novas relações de produção.
[7] Estaline perseguiu os comunistas que se demarcaram do rumo seguido. A repressão manchou a história heróica do movimento comunista com o aniquilamento da geração de ouro do bolchevismo e de grandes figuras da Revolução de Outubro, como Trotsky e Bukharine. A renovação do comunismo impõe a decidida condenação do Estalinismo, do seu terror contra os comunistas e outras correntes de opinião e a decidida recusa dos seus fundamentos económicos. Para os comunistas, “as gotas do sangue” dos mártires comunistas às mãos de Estaline são parte integrante do “estandarte vermelho com que as novas gerações” se batem por um mundo novo.
[8] Na herança do Grande Outubro importa realçar o seu vigor internacionalista pontificado na formação da União Soviética, união igual de Estados, Nações e etnias e na extensão da crise revolucionária a toda a Europa. Ao contrário do movimento comunista hoje, a análise do imperialismo como sistema que desencadeia uma resposta predominantemente nacional nunca esteve presente na argumentação dos pais-fundadores da URSS. Depois do recuo da revolução na Europa, a revolução deixou contudo de ser vista como um “acto súbito” extensível às nações dominantes e deslizou para a ideia de conquista nacional da independência e libertação do sistema imperialista, nação a nação. O deslize nacionalista acentuou-se com a importância da luta das colónias na periferia do capitalismo e com as teses de Estaline (“Marxismo e a questão nacional”, 1935). Para além de não desvendar o nascimento da nova economia, a concepção nacionalista fracassou quando o próprio capitalismo desencadeou a viragem para o livre comércio e a navegação irrestrita transnacional do capital, em contraste com o proteccionismo precedente. E mais fracassou na abordagem da integração supranacional fruto da expansão do capitalismo como é o caso da União Europeia. Ao insistir nos estereótipos da análise nacionalista do imperialismo, o movimento comunista falha em desenvolver um projecto alternativo de regulação deixando aos agentes do capitalismo o tricot das instituições do presente sistema de regulação. Na esteira do internacionalismo, importa encontrar resposta à pulsão para se construir uma humanidade universal em articulação com o espaço nacional de luta e mostrar como, nesse processo, é o capitalismo que em última análise se confina ao espaço nacional recusando uma verdadeira integração supranacional das economias e dos povos. No caso da União Europeia, os passos atrás e para o lado da eurocracia em compromissos com as forças burguesas eurocépticas revelados no “tratado reformador”, sinalizam para o movimento comunista uma oportunidade de se bater por maior coesão social, maior participação cidadã na construção supranacional, na definição dos seus instrumentos constituintes, e na reclamação de uma viragem democrática com maior transparência no funcionamento dos seus órgãos contra o egoísmo das burguesias nacionais.
O nonagésimo aniversário do Grande Outubro é motivo de esperança para os comunistas e trabalhadores de conseguirem transformar o mundo. Na Revolução de Outubro, na sua glória mas igualmente nas suas ambiguidades, hesitações e derrotas, estiveram presentes quase todos os problemas que hoje assombram a construção da alternativa. Resolvê-los é a melhor homenagem que podemos prestar aos que marcharam na Perspectiva Nevsky e fizeram abalar o mundo com a possibilidade concreta de edificar o socialismo.