Congresso Internacional Karl Marx
Vai realizar-se nos dias 14, 15 e 16 de Novembro, na faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, o Congresso Internacional Karl Marx. A organização é da Cultura, do Instituto de História Contemporânea e da Transform!. Para obter o programa completo, clique
aqui.
Para fazer a ligação com o capítulo seguinte, gostaria de realçar que algumas das comunicações apresentadas neste Congresso têm o mesmo protagonista e título de outras que foram apresentadas no Colóquio de
"Os Comunistas em Portugal".
1º Colóquio “Os Comunistas em Portugal”
Este Colóquio realizou-se no passado fim-de-semana, na Biblioteca Museu República e Resistência.
Há que sublinhar que ele foi organizado pela revista
Política Operária, que foi dirigida por Francisco Martins Rodrigues (FMR) até à sua morte, ocorrida há alguns meses. Chico Martins, como era mais conhecido, era um dissidente dos anos 60 do PCP, tendo o seu afastamento resultado de sérias divergências políticas com este Partido, quer no modo como encarava a Revolução em Portugal, quer pela posição pró-chinesa que assumiu no dissídio sino-soviético, quer quanto ao papel que Estaline desempenhou na União Soviética. Pode-se dizer, para simplificar, que FMR saiu pela esquerda do PCP e assim se manteve até ao final da vida. Por isso, sem o nomear explicitamente este Colóquio era também uma homenagem àquele revolucionário. Muitos dos oradores a isso se referiram.
Era evidente que estas opções determinaram que o Colóquio fosse mais a defesa de uma determinada concepção política, do que uma reflexão desapaixonada sobre o Movimento Comunista em Portugal. No entanto, houve a preocupação de convidar maioritariamente académicos, com estudos feitos nesta área que, na maioria dos casos, reflectiram serenamente sobre a história, a sociologia e até a antropologia do comunismo e dos comunistas em Portugal. Não fosse algumas reflexões mais apaixonadas, que depois referirei, estávamos perante uma selecção bastante razoável do pensamento académico sobre o assunto. Faltaram, no entanto, e eu sei que tentaram convidá-los, o João Arsénio Nunes, que esteve presente durante a maioria das comunicações e que é um dos poucos historiadores do PCP, filiados no Partido, com trabalhos publicados nesta área, e o José Neves, que tem uma tese de doutoramento sobre
Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX, e cuja defesa presenciei e que foi por mim assinalada neste
post. É provável que haja muitos outros trabalhos notáveis de académicos sobre os comunistas, mas que eu não conheço.
Um dos males do Colóquio, é que se pretendeu meter o Rossio na Rua da Betesga, provavelmente o que irá suceder no Congresso que se lhe segue. Facto extremamente difícil de controlar, dado que ao pretender abranger um vasto leque de temas é preciso forçar a pontualidade do começo das sessões. Assim, a partir de certa altura fomos a mata-cavalos, sem tempo para a discussão e obrigando os intervenientes a terem que cortar nas suas intervenções. É sempre difícil, nestes casos, conseguir um balanço entre tudo aquilo que se quer comunicar e o seu debate. São opções que os organizadores têm que assumir e utilizar pulso de ferro se querem que haja tempo para tudo.
Dito isto, passemos às comunicações propriamente ditas. O seu programa está afixado neste
post, por isso não me irei referir a ele pormenorizadamente.
O primeiro bloco de comunicações, sexta-feira ao fim da tarde, tinha a intenção de dar um retrato do PCP em três fases distintas da sua história: a sua origem, o período da Frente Popular defendida no VII Congresso da Internacional Comunista e depois uma experiência menos importante de frentismo, verificada entre 1956 e 1958, e que resultou do XX Congresso do PCUS. Quanto a mim, e por isso interroguei a mesa sobre este aspecto, faltava a experiência importantíssima de frentismo dos anos da II Guerra Mundial, que em Portugal tiveram repercussão na criação do MUNAF e no MUD. A mesa concordou.
O segundo bloco desse dia, com um trabalho que será igualmente apresentado no Congresso sobre Marx, referia-se às posições de Mário Dionísio em relação ao PCP, de que tinha sido militante, quando este no seu livro
A Paleta e o Mundo estabelece uma clara distinção entre a liberdade de criação artística existente na União Soviética nos primeiros anos da revolução e o que depois se veio a verificar, com a imposição do realismo socialista, facto que até à data o PCP tinha ignorado. O autor estabelece claramente uma distinção entre os dois períodos, criticando certa historiografia universitária inglesa revisionista que tem insistido na tecla de que o período leninista da liberdade artística, que dura até 1934, anunciaria o período repressivo estalinista. Confrontei o autor da comunicação sobre aquilo que é hoje para mim uma pedra de toque de toda a historiografia oficial reaccionária e não só, também social-democrata, de que não haveria diferenças entre aqueles dois períodos, que a União Soviética, desde o início, tinha sido “um imenso Gulag”. Em resposta o autor, fugindo um bocado à minha pergunta, responde-me, e bem, que no PCP, pelo menos no apogeu do neo-realista, os comunistas também eram responsáveis por essa confusão, ao não valorizarem ou nem sequer reconhecerem a diferença, no campo da arte, entre os dois períodos.
Depois seguiu-se uma comunicação relativa a um inquérito sociológico de Manuel Loff , que publicou recentemente um livro interessante,
O Nosso Século é Fascista, e de Bruno Monteiro sobre a adesão comunista em Portugal (1960-1974), com trabalho de campo junto de operários do Porto que aderiram ao PCP naqueles anos.
No Sábado de manhã, incapaz de me levantar cedo, não pude assistir às comunicações também de inquérito sociológico – que me perdoem os sociólogos, sobre a terminologia que estou aqui a usar – relativas às comunistas do Couço, às companheiras das casa do Partido e aos testemunhos autobiográficos de autores comunistas. Ainda cheguei a tempo de assistir à parte final desta última comunicação e ao debate relativo às anteriores, que me pareceram bastante interessantes. Pecando provavelmente por excesso, consideraria todo este conjunto, mais um intervenção que houve da parte da tarde sobre mineiros, como as mais interessantes do Colóquio, já que pelo tipo de pesquisa que empreendem, fogem ao estereotipo ideológico sobre o PCP e a sua história.
O segundo bloco da manhã foi dedicado ao maoismo em Portugal e aos Partidos ML. Foram apresentadas comunicações bem informadas, académicas, que só muito indirectamente tomavam partido por esta causa. Permitiram durante a sua apresentação os momentos mais relaxantes do Colóquio, já que a terminologia usada naquele tempo por estes movimentos era de facto espantosa. Houve alguém que atrás de mim identificou, uma das fases mais ridículas que foram apresentadas, como do Júlio Isidro, o actual apresentador da Televisão.
Os blocos da parte da tarde foram os mais polémicos. Apesar da primeira intervenção, que coube a João Madeira, não apresentar essas características. Foi relativa à defesa que o PCP fez em Maio de 64, pelo efeito da cisão Martins Rodrigues, de acções especiais para acompanharem as manifestações do 1º de Maio e nalguns casos propondo interligação dessas acções com as próprias manifestações. Essas acções especiais consistiam em actos de sabotagem, corte de linhas de alta tenção, ataques à polícia, etc. Na zona de Grândola esse tipo de acções chegou a concretizar-se com rebentamentos, sem qualquer efeito, em pontes, visando isolar o Concelho. Posteriormente, foram abandonadas e até, segundo percebi, criticadas. O autor considerou-as como um desvio esquerdista. Desconhecia estes episódios.
A intervenção mais polémica e quanto a mim completamente descabelada, e tanto mais grave visto que pretende vir a ser uma tese de doutoramento, foi a de Raquel Varela sobre o papel do PCP no processo revolucionário de 1974-75. Esta autora irá apresentar no Congresso sobre Marx uma comunicação semelhante, cujo nome é
O PCP no PREC.
Raquel Varela que estudou um período muito curto da nossa Revolução, entre o 25 de Abril e o VII Congresso do PCP, em Outubro de 74, formula a tese muito defendida em alguns meios esquerdistas que o PCP traiu a Revolução aliando-se à burguesia e reprimindo as suas aspirações populares. Chegou mesmo a dizer que a burguesia devia fazer uma estátua ao PCP porque foi este Partido que permitiu que a democracia se implantasse em Portugal. Deixando-se arrastar por estas considerações chega a afirmar que o principal objectivo do PCP era entregar Angola ao MPLA e por isso aos soviéticos. Aqui recorre já ao arsenal reaccionário, que tem muitas vezes defendido este ponto de vista. Esta comunicação pela terminologia usada, pelos preconceitos que manifesta fugiu ao espírito que até aí vinha prevalecendo, de estudo sereno e académico da realidade, para passar à pura construção e manipulação ideológica. Raquel Varela assenta toda a sua interpretação nos comunicados do PCP e nas entrevistas dos seus dirigentes, no entanto parte de um
parti-pris tão grande contra aquele Partido que é incapaz de interpretar a realidade. Um só exemplo, na sua comunicação afirma que a burguesia contou com a colaboração do PCP no primeiro Governo Provisório do Spínola. Na sala estava um “capitão de Abril”, o Luz, de que não me recordo o primeiro nome, que no final esteve a falar comigo e que me contou o seguinte: quem quis que o PCP estivesse representado no primeiro Governo Provisório tinham sido os capitães, que achavam que o PCP era imprescindível, e que o Spínola tinha acedido porque considerava que era melhor ter o PCP ao pé de si do que longe. Ou seja, dizia este “capitão” Luz a “burguesia era eu e os meus camaradas". Como por vezes a história tem meandros que são mais simples do que as grandes construções que sobre ela fazemos.
Depois seguiu-se a intervenção de um brasileiro, Valério Arcary, que também vem apresentar uma comunicação ao Congresso Marx e que falou com aquela descontracção própria dos brasileiros. Apesar de ser favorável à interpretação da oradora anterior, soube com grande subtileza pôr o problema noutros termos e com outra elevação, chegando mesmo a afirmar que a interveniente tinha que refazer algumas interpretações da sua tese.
No bloco seguinte e último, aquele que teve que ser a mata-cavalos, houve uma intervenção um pouco semelhante à de Raquel Varela, disseram-me que o orador era seu marido, mas agora virada para a posição do PCP sobre o Estado, principalmente sobre o livro de Álvaro Cunhal
A Questão do Estado, a Questão Central de Cada Revolução. Pareceu-me também influenciada por um certo esquerdismo, mas dados os saltos que o autor teve que fazer para concluir a sua intervenção é um pouco difícil chegar àquela conclusão. Depois tivemos a já referida intervenção sobre os mineiros, que continuavam a ser mineiros sem trabalharem na mina. Com um relato bastante interessante sobre a diferença entre o ser mineiro no passado e o ser mineiro hoje, gente especializada na condução de máquinas, que se desloca de mina em mina, sem ter raízes em parte nenhuma.
Por último e a encerrar os trabalhos tivemos o ponto político de Ana Barradas, a companheira de Francisco Martins Rodrigues, que explanou as etapas do seu pensamento e que simultaneamente não deixou de traçar um panorama catastrófico do que tinha sido a história do movimento comunista e a situação da revolução mundial. O objectivo já não era apresentar uma comunicação académica mas formular preocupações políticas. Estou na maioria dos casos em desacordo com o que disse, mas considero-a mais como uma opinião política do que histórica.
Termino reconhecendo os méritos da iniciativa, mas achando que um debate destes tem que ser feito, com a participação de gente que ainda permanece comunistas, mas que já saiu do PCP, para nos contarem a sua história, com a colaboração de historiadores e investigadores académicos. Isto porque o PCP se recusa a fazer a sua história, como em Congresso ficou decidido.