 19 DE OUTUBRO DE 2009, SEGUNDA FEIRA FONTE: Público POR: Cipriano Justo Lisboa é uma lição O episódio eleitoral da autarquia confirma que existe um bloco social que não se revê na fragmentação da esquerda
Entre 7 de Junho e 11 de Outubro, os portugueses foram chamados por três vezes a manifestar as suas preferências polÃticas em outros tantos actos eleitorais e fizeram-no com diferentes resultados, discriminando e diferenciando bem cada um deles. Um aspecto destes acontecimentos ficou uma vez mais confirmado: de um acto eleitoral para outro, uma fracção substancial do eleitorado alterou as suas escolhas partidárias, atendendo à especificidade do que estava em jogo e ao benefÃcio esperado da sua decisão. A isso chama-se a soberania do eleitor e ao processo de escolha a função utilidade do voto en-tre várias alternativas. Pode mesmo afirmar-se que uma escolha, e as escolhas polÃticas não fogem a esses critérios, representa sempre o diferencial entre custos e benefÃcios esperados ajustado a acontecimentos experimentados. Consoante a ponderação que se atribui a cada uma destas parcelas, assim a mudança esperada terá a amplitude que subjectivamente se considera alcançável. Como as bruxas, também o voto útil lá que existe, existe e não tem a expressão fatalista que tantas vezes lhe querem dar.
Se, das três eleições, tomarmos como exemplo e ponto central da distribuição das preferências eleitorais os resultados de 27 de Setembro, o paÃs mantém-se politicamente bipolar, com 66por centodo eleitorado a preferir o centro-direita e o centro-esquerda, valendo este o dobro dos partidos à sua esquerda. O centro-direita vale aproximadamente o triplo do partido à sua direita e aritmeticamente CDS, BE e CDU não chegam a valer, por junto, todo o PSD. Sinteticamente, é este o quadro eleitoral que temos actualmente. Politicamente, o centro-esquerda e a esquerda representam 54por cento das preferências do eleitorado e o centro-direita e a direita 40 por cento.
Sendo certo que existem diferenças assinaláveis entre as propostas programáticas do centro-esquerda e da esquerda, também é certo que em 27 de Setembro os eleitores deram um sinal que deve ser descodificado, entendido e assimilado por estes partidos. À legitimidade do centro-esquerda/esquerda se apresentar perante o eleitorado com programas diferenciados deve estar associada a capacidade de interpretação do sentido das escolhas que ele fez. Significa isto que a acção polÃtica carece de extravasar a visão unilateral do partido para se aproximar da transversalidade das expectativas dos blocos sociais que confiam em cada uma das formações.
Nesse aspecto, o episódio eleitoral da autarquia de Lisboa confirma a função utilidade da escolha eleitoral. Assim como se verificaram flutuações significativas entre cada acto eleitoral, o mesmo se verificou nas escolhas para cada um dos órgãos desta autarquia. Na presença simultânea de três boletins de voto, muitos milhares de eleitores votaram diferenciadamente, tendo em vista não tanto uma manifestação de desobediência polÃtico-partidária, mas uma afirmação da soberania individual, considerando o esforço de convergência, o programa de governo da cidade e a equipa que o iria aplicar e que acabou por sair vencedora. Politicamente este exemplo significa que existe um bloco social que não se revê na fragmentação da esquerda e, quando lhe é apresentada uma solução de quase-convergência, não tem dúvidas em se associar a ela. Aconteceu com a candidatura de Manuel Alegre, em 22 de Janeiro de 2006, repetiu-se em Lisboa, a 11 de Outubro de 2009. Há repetições que deviam dar que pensar.
Dirigente da Renovação Comunista
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