Leia mais um artigo de Guilherme da Fonseca-Statter sobre os Manifestos, este dirigido principalmente ao dos 51 subscritores.
Na sequência de um escrito anterior que entendi como sendo de âmbito mais amplo e portanto com algumas considerações que, eventualmente, alguns considerarão como extravasando o tema dos manifestos de grupos de economistas e académicos sobre o tema das “grandes obras públicas†como uma das saÃdas para a crise, proponho agora escalpelizar o texto a que tive acesso por via de uma notÃcia sob o tÃtulo “Grupo de académicos defende viragem à esquerda na polÃtica económica†(em
Público.pt).
“
O debate deverá ser centrado só em prioridades: só com emprego se pode reconstruir a economiaâ€
É um facto, devemos centrar-nos nas prioridades.
Se o doente está com febre, é fácil: paracetamol e pachos de água fria para descer a temperatura. Se o doente está numa de hipotermia, não fazer massagens, dar alguma bebida não alcoólica e suavemente quente, “embrulhar†em roupa quente...
Se em qualquer dos casos a doença é “mais sériaâ€,
Ah, isso depois logo se vê...
Faço este comentário porque proporcionar emprego a muitos milhares de pessoas até nem é muito complicado. Se me é permitido o exagero anedótico, em vez de uma máquina retro-escavadora com um só operador, basta empregar cem homens, cada um com sua enxada.
Mais para o sério, uma medida mais complicada mas que não deixa de ser “simples†(no sentido de o contrário de “complexaâ€) será dividir a carga laboral pelo número de trabalhadores disponÃveis. Por outras palavras,
reduzir os horários de trabalho de forma sistemática e concertada.
Mas a questão bastante mais séria aqui é a de que tipo de emprego estamos a falar... De que tipo de paÃs queremos deixar à s gerações futuras.
De resto o documento está elaborado por cientistas sociais habituados à ideia da regularidade dos ciclos e das chamadas medidas keynesianas para “combater a crise†ou as chamadas medidas de estÃmulo “contra cÃclicoâ€. São assim defendidas medidas de “dinamização da procura†por via do aumento do investimento público.
Mas pouco se diz acerca da dinamização e protecção do
aparelho produtivo residente no território nacional e, sobretudo, da dinamização da capacidade produtiva de bens exportáveis, para além de algumas referências (sem dúvida importantes!...) a aspectos fundamentais como a “
reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis, modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais como saúde, justiça e educaçãoâ€.
Nisto é difÃcil não se estar de acordo.
Mas (há sempre um ‘mas’ para estragar o discurso...) haveria aqui que esmiuçar algumas questões como – em particular - aquela referência à rede ferroviária. Estão os autores deste “contra manifesto†a defender que se avance com os projectos de TGV (Lisboa-Porto?... Lisboa-Algarve?... Lisboa-Badajoz?...) ou que se renove e consolide a rede já existente?...
Vem depois uma referência a uma “quebra conjuntural (!...) da procura privadaâ€. O meu espanto deve-se ao facto de, aparentemente, haver quem haja que continua agarrada à ideia de que estamos perante uma crise “conjunturalâ€.
Perante uma crise sistémica, mais ainda (muito mais...) do que uma crise estrutural, é no mÃnimo insólito que se proponham para saÃda da crise medidas cujo alcance não seria mais do que “contrariar a quebra conjuntural da procuraâ€.
Como sugiro mais acima, se o diagnóstico da doença estiver errado, arriscamo-nos a que a prescrição seja inoperante, ineficaz ou até contraproducente. Se não aumentarmos a produção local, através da dinamização da capacidade produtiva instalada entre nós, então o aumento da procura só vai agravar o desequilÃbrio das contas externas. É uma banalidade digna do senhor de La Palice...
Quanto ao resto – que não há muito – louvo (acho mesmo muito bem) que se faça um apelo à necessidade urgente de uma polÃtica coordenada no seio da União Europeia.
Guilherme da Fonseca-Statter
Junho de 2009