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29 DE DEZEMBRO DE 2013, DOMINGO
FONTE: O Público
POR: Cipriano Justo
Alguém, em algum sítio, há-de rejeitar a solução alemã
No plano político-partidário europeu, o ano de 2013 encerra com um acontecimento cuja maturação levou quase três meses, está concretizado em mais de 180 páginas, foi celebrado na Alemanha entre a CDU/CSU e o SPD e irá governar aquele país nos próximos quatro anos.

A relevância deste acordo não decorre tanto da política de alianças que os sociais-democratas alemães entendem que é a politicamente mais desejável para aquele fim, mas porque se concretiza no país que, na prática, tem dirigido a política europeia, desde que a austeridade, a reboque dos programas de assistência financeira à Irlanda, Grécia e Portugal, passou a fazer parte das rotinas dos povos do sul da Europa, com todo o cortejo de calamidades sociais que lhe estão associadas. O contrato agora celebrado entre aquelas formações políticas é realizado num contexto em que a correlação de forças é francamente desfavorável aos sociais-democratas, indicando que ele irá servir sobretudo para reforçar o lastro da política europeia até agora seguida pela chanceler Angela Merkel.

A importância deste acordo reside sobretudo no seu subtexto, cuja importância não deve ser ignorada. Realizado no centro de onde imanam as principais decisões sobre a política europeia, sobrepondo-se ao Conselho Europeu e ao Banco Central Europeu quando assim o entendem, o seu significado extravasa largamente as fronteiras alemãs e visa sinalizar o caminho por onde a direita e o centro-esquerda europeus devem dirigir os seus passos em matéria de escolha de parceiros políticos para que a ortodoxia dos mercados financeiros tenha garantida a estabilidade de que carece para impor e afirmar duradouramente o seu diktat. Estando esta recomendação já satisfeita na Grécia, ela dirige-se agora, e principalmente, para a Itália, Espanha e Portugal, onde a turbulência política irá exigir seguramente novas combinações interpartidárias. Daí existirem boas e fundadas razões para se acreditar que Angela Merkel e Sigmar Gabriel, além dos Audi e BMW, têm agora um novo produto de exportação, já com o respectivo livro de instruções incluído.

Perante este desafio cabe ao restante centro-esquerda europeu soçobrar e render-se à solução alemã, na mira de potenciais ganhos de curto prazo, ou declarar-se autónomo e senhor das suas escolhas e decisões. A opção pela desistência de se entender com a esquerda representará o desenvolvimento e aprofundamento das cedências ao capital financeiro, e que tiveram o seu profeta em Tony Blair. Se os erros devem servir para alguma coisa, é pôr os olhos e aprender com o que aconteceu as estas formações políticas depois da prova dos factos; ainda não se refizeram das mazelas que a terceira via lhe causou e eis que do centro da Europa já lhe estão a indicar o trilho por onde deve caminhar. Dir-se-á que o outro caminho, o do entendimento com quem está à sua esquerda está recheado de obstáculos. Sem dúvida, mas o que é preferível, persistir nos velhos erros ou, citando Samuel Beckett, tentar de novo e, se for caso disso, errar melhor? Dir-se-á ainda que os tempos não estão para errar, mesmo errando melhor. Mas o que se deve então dizer da decisão de se cometer um erro cuja probabilidade de se verificar é certa? Por outro lado, o anúncio de que um entendimento do centro-esquerda com as formações à sua esquerda representa antecipadamente um erro é, diria Mark Twain, manifestamente exagerado. Sobretudo porque alguém, em algum sítio, deve ter a ousadia de ensaiar uma nova ordem das coisas.

Dirigente da Renovação Comunista


 

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