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11 DE NOVEMBRO DE 2017, SÃBADO
FONTE: RC
POR: Paulo Fidalgo
Revolução e evolucionismo económico, de Martov à “nova política económica†de Lenine e Bukharine
Numa sessão bem participada, o tema foi a Revolução de Outubro, porém com os olhos postos nos problemas de agora e com os olhos na "geringonça". De seguida a intervenção de Paulo Fidalgo no debate de dia 10.
100 depois, É impressionante, a quantidade de eventos celebratórios com intenção de refletir sobre os sucessos e insucessos da Grande Revolução.

O interesse no centenário é sinónimo, podemos dizê-lo, da plena atualidade da ideia socialista da intensa curiosidade e atração que desperta.

E há mesmo daquelas pequenas notícias que mostram a toupeira do comunismo a fazer o seu trabalho. Foi anunciada a edição de uma biografia de Lenine, em conjunto pelo Partido Comunista da Federação Russa e o Partido Comunista Chinês, sem dúvida as forças que mais protagonizaram o ideal comunista e o processo de transformação no século XX.

Mais impressionante, insólito até, são os atos de abominação e esconjuro da Revolução, dos seus adversários. São resmas de comentadores a dizer-nos como a revolução foi um ato louco, insensato, e dele apenas terá ficado a demonstração de uma impossibilidade.

Dizem isto apesar de toda a nossa vida estar impregnada pelo legado da revolução.

Coisas simples, no nosso dia a dia, seriam impossíveis sem as portas abertas há 100 anos pela guarda vermelha que entrou na escadaria do palácio de Inverno. Coisas como divórcio, despenalização do aborto, alfabetização integral de centenas de milhões de mujiques miseráveis, 8h00 de trabalho, a vanguarda artística, com Kandinsky, Malevitch, Eisenstein, Mayakovsky, Schostakovitch. Coisas como a aventura espacial, de Tsiolovsky e Yuri Gagarine e Valentina Tereskova. A vitória sobre o nazismo, a solidariedade da aviação vermelha que, nos céus de Madrid, enfrentou os Stukas alemães em 1936, a solidariedade com os movimentos de libertação, a solidariedade com o Vietnam insubmisso e a Cuba rebelde e tantos outros.

E, porquê a abominação? Ela acontece por causa precisamente daquilo que David Ruccio, da Universidade de Notre Dame, no Indiana, afirmou: o ter sido a grande Revolução a base da mais radical conquista da igualdade social alguma vez alcançada na história.

Amigos, os que abominam outubro sabem que não é nada impossível derrubar as classes dominantes como aconteceu na Rússia.

E sabem que hoje, estão cada vez mais em cheque os mesmos que não hesitam em cortar o parco complemento de reforma a uma velhinha sem recursos, para continuarem a banquetear-se em gigantesca fuga aos impostos nos off-shores mal-cheirosos da hipocrisia capitalista.

A execração de outubro pelas classes dominantes de hoje apenas quer esconder o mais revoltante regabofe das praticas predatórias do capitalismo, exatamente as práticas da aristocracia russa justamente derrubada pelo impulso da luta das mulheres de Petrogrado a 8 de Março de 1917.

Qual é a diferença entre o czar Nicolau com a sua corte de perfilados em torno do malvado Rasputine e a Rainha de Inglaterra e do seu herdeiro, apanhados nas operações de fuga ao fisco agora denunciadas nos “Paradise papersâ€, juntamente com oligarcas americanos apoiantes de Donald Trump, ou mesmo os gângsteres financeiros à moda de cá do nosso canto. Então meus amigos, não é tudo a mesma gente que foi posta em sentido em 1917? Não são os mesmos que nos alimentam o desejo de pôr cobro à iniquidade e a tentar o assalto ao céu, ou a entrar no palácio de inverno ou no largo do Carmo.

Creio que o centenário tem impacto em nós, não pelo passado, mas pelo exemplo em como foi possível, é possível, é viável, é realista, é necessário, fazer avançar as coisas e construir um mundo melhor.

Amigos

A revolução e os dilemas que suscitou merecem ser revisitados à luz dos problemas de hoje. A relativa nitidez da vitória na conquista do poder em 1917 levou alguns a acreditar na construção de uma experiência económica de cima para baixo por via do Estado e da decisão política. Outros insistiram ao contrário em que a economia, as relações sociais, não podiam ser manipulados ignorando a sua natureza objetiva, sob pena de o programa revolucionário esbarrar contra uma parede.

No fundo, achavam os voluntaristas que o Estado podia fazer quase tudo o que lhe viesse à cabeça ignorando o conhecimento científico da economia, e outros erguiam o seu ceticismo para se opor às possibilidades de avanço e deixar tudo como estava por acharem que não há nada a fazer sobre a economia.

Ambas as visões atestavam da incapacidade para aprofundar um conhecimento económico suficiente que tornasse mais racional a decisão em economia política a partir de um governo e de uma base social de trabalhadores.

O debate sobre transformação económica, não dividiu apenas os mencheviques e os bolcheviques. Dividiu, em momentos diferentes, o interior mesmo do partido bolchevique, entre a chamada direita, Bukharine, Tomsk, Radek, e a esquerda, com Trostky, Zinoviev e Preobrajensky, em torno da Novaya Ekonomika a política decidida em 1921 no Xº Congresso do PC. Essa disputa foi perdurando com aspereza até 1927, altura em que Estaline se ergue jogando na sua suposta independência face às fações, aliando-se a uns para neutralizar os outros e depois derrotar os primeiros.

A verdade é que para intervir artificialmente na economia é preciso saber muito sobre ela e sobretudo saber que não se pode fazer o que se quer e ignorar o que Marx designava como o “movimento real das coisasâ€.


Devemos reconhecê-lo, o debate entre a esquerda e a direita nos anos XX representou um desagravo aos avisos de mencheviques como Martov, os quais sempre consideram de uma enorme temeridade o empreendimento socialista num país atrasado, em contradição aparente com o estava estipulado no século XIX e que estabelecia que o modo socialista de produção só poderia surgir de um capitalismo avançado.

Não devemos ter medo de reconhecer hoje como as divisões mencheviques/bolcheviques pecaram por terem sido unilaterais e que, hoje, o evolucionismo assente num conhecimento mais fino e detalhado da economia é a linha realista para uma transformação efetiva capaz de acumular força entre diversas sensibilidades por forma a tornar maioritária uma força popular.

É talvez importante reconhecer o que foi positivo na Novaya Ekonomika, enquanto interseção menchevique/bolchevique e que fez da década de 20 na União Soviética um prodigioso período de avanço, criatividade, liberdade e desenvolvimento, incomparável com o que tinha sido visto até então em todo o mundo.

Concedeu o controle da margem de valor acrescentado aos camponeses e coletivos o que se traduziu num impulso generalizado à produção e incentivou a auto-organização e a democracia. Restabeleceu-se assim a aliança operário-camponesa, a política da foice e o martelo, perigosamente ameaçada na guerra civil pelas requisições forçadas de cereais.

Observou-se uma resposta produtiva interessante que veio depois servir para outras experiências de tipo NEP noutras paragens. Creio que a política de abertura da direção chinesa sob Deng Xiao Ping, voluntariamente ou não, pode ser interpretada como uma reprodução ampliada e renovada, porventura exagerada mesmo, da NEP lançada por Lenine e Bukharine.

O que parece evidente é que extrair a favor do Estado a margem de valor acrescentado gera comportamentos produtivos relutantes e, pelo contrário, a sua apropriação por grupos de trabalhadores parece induzir respostas produtivas máximas. A vitória de Estaline levou à consolidação na aposta do Estado enquanto extrator forçado do valor acrescentado produzido na economia e contribuiu anos depois para a derrocada da URSS. Esta discussão é importante quando defrontamos hoje desafios sobreponíveis, porém em contextos políticos muito diferentes dos que resultaram da audaciosa tomada do poder em 7 de Novembro de 1917.

O poder hoje não foi tomado, mas há fortes possibilidades de nele intervir e de se obterem vitórias eleitorais por forças de base popular armadas de programas transformadores ainda que contendo substanciais ambiguidades.

A ideia que a vitória política que dará lugar às grandes transformações tem de ser clara e esmagadora é, no atual período, bastante improvável. É melhor contarmos com alianças instáveis, movimentos em parte contraditórios e compromissos precários. É nessa realidade difícil que devemos projetar as propostas de transformação. O momento de tipo geringonça, não será tão raro assim no futuro, pois crescem os governos de coligação, em que diferenças substanciais de opinião não impedem entendimentos em diversos domínios. É, pois, uma realidade política mais difícil, incerta e precária, a que nos rodeia e que nos exige habilidade para conquistar avanços reais.

A Novaya Ekonomika é uma linha que procura conciliar o interesse particular do trabalhador com o interesse geral, na aceção de Lenine nos seus escritos últimos, quando apoiou a ideia cooperativa.

Por interesse do trabalhador e de grupos de trabalhadores estamos a significar o primado da imanência económica, das relações sociais que vêm debaixo e que fazem mover a economia. O Estado é um aparelho que não está obviamente de fora da economia, antes a condiciona e age conexamente com ela. Uma política progressista, para um governo de coligação popular, deve incentivar reformas no Estado que promovam uma economia nova que reforce os traços socialistas nas relações sociais.

Deve reconhecer que a economia pública deve evoluir para associar muito mais os seus trabalhadores à direção das instituições e ao controle da margem de valor acrescentado, em autonomia e cooperação de grupos dentro dessas entidades, por objetivos.

Deve um governo progressista promover a autonomia e a descentralização de decisões e de processos, nas industrias públicas, com forte associação às comunidades onde se inserem, e estimular a sua autodeterminação cidadã nas comunidades e nos trabalhadores.

Numa política de transição procurada por forças progressistas que querem influenciar a governação, importa reforçar mecanismos de controle e auditoria a nível central para impedir derivas localistas que violem o desígnio geral de promoção da igualdade. Máxima descentralização e auto-organização, de base cooperativas na economia, e máxima centralização da auditoria e fiscalização de regras e praticas económicas.

É neste sentido que o objetivo da regionalização e da transformação da economia pública deverão constituir os eixos centrais de uma efetiva reforma do Estado e da economia desde sempre iludidas por uma direita totalmente incapaz de iniciativa histórica.

Nesta construção, caros amigos, devemos retomar, sem ideias feitas, os debates interrompidos há 100 anos, fruto de vicissitudes várias, incluindo muito sectarismo e acrimónia. Dos bolcheviques precisamos do seu desassombro e audácia, mas dos mencheviques não podemos ignorar algumas importantes prevenções. Hoje, o que faz sentido é adotar uma linha económica e de reforma do Estado, que permita ganhar e acumular mudanças sucessivas de sentido anticapitalista, aproveitando e jogando com todas as oportunidades políticas para entendimentos alargados nas forças de esquerda e no centro esquerda.

Muitos comunistas americanos chamam-nos à atenção para o facto de, no capitalismo de hoje, estarem em desenvolvimento diversas formações económicas alternativas, anti-capitalistas, de índole cooperativa, se bem que de natureza minoritária e subordinada. O que surpreende é que apesar da adversidade, essas realidades sobrevivem e nalguns casos aumentam o seu peso na atividade económica tornando-as numa realidade mais natural e apetecível. Elas geralmente vingam melhor em ambientes profissionais diferenciados, mas não só. É visível por exemplo o sucesso de apostas económicas de auto-organização dos trabalhadores em Portugal como as Unidades de Saúde Familiares nos cuidados de saúde primários do nosso Serviço Nacional de Saúde, uma indústria de elevada instrução e diferenciação da sua mão-de-obra.

Agora que nos aproximamos do problema do fim do ciclo desta Assembleia da República, pois só faltam 2 anos, importa equacionar o que deveria ser um programa de relançamento, mas sobretudo de remodelação económica que pudesse servir de plataforma para a convergência, com abertura desde logo para voltar a discutir temas que até agora têm sido tabus entre a esquerda e o centro-esquerda.

Acredito que é nesse debate e prospeção que melhor serviremos o espírito e o milagre da grande revolução como nos ensinou Alain Badiou.

Viva a Revolução de Outubro.


 

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