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14 DE JULHO DE 2019, DOMINGO
FONTE: RC
Balanço crítico do 1ª governo de convergência
Intervenção no Conselho Nacional de 13 julho de 2019
No debate realizado no Conselho Nacional da Renovação Comunista a 13 de julho de 2019 saiu apoiada a linha política definida em discurso abaixo publicado.
1ª lição: O ciclo político que agora termina, constitui uma viragem súbita, largamente não planeada nos principais atores, muito mais explicado por pressão objetiva do que procurado conscientemente. Esta característica reproduz a visão do darwinismo original de que uma mutação surge ao acaso, e não está animada de intencionalidade.

Contudo, se olharmos mais de perto, vemos que essa acefalia não foi total. Houve quem, como a RC, desde longa data se tivesse batido por ela, com forte empenho teórico e pratico. E a nossa ação foi nesse aspeto, geradora das condições objetivas e subjetivas para que afinal a surpresa aparecesse. Temos de reafirmar que foi precisamente por termos esta forte consciência que nos batemos dentro do PCP por esta orientação e foi pela sua defesa que nos separámos do PCP.

Qual foi o contexto da posição estratégica da RC? Para alcançar a transição para o socialismo, a disputa da hegemonia no Estado no atual contexto histórico, marcado pela integração supranacional, por uma democracia parlamentar com fragmentação da representação, carecemos de um programa intermediário de reformas e de aproximação à esfera do poder onde os pequenos e os grandes passos devem ser disputados com visão radical, rompendo o sectarismo, procurando grandes alianças e marcando o ritmo da inovação política e económica a favor de uma sociedade mais inclusiva, cooperativa e avançada. Conquistar o poder continua a ser essencial no objetivo dos comunistas, mas devemos fortalecer a nossa posição em todas as plataformas do Estado construindo um bloco de forças abrangente colado por propostas de remodelação que derrote a antiga hegemonia histórica, cultural, com que o capital manteve a sua base de apoio.

A questão revolucionária como condição para conquistar o poder de Estado, foi muitas vezes olhada na história como objetivo supremo que se sobrepunha de certa maneira ao próprio conteúdo programático para o qual o instrumento do poder iria ser necessário. Na verdade, os dados da história mostram o contrário. Mostram que a revolução se tornou uma necessidade para que um dado programa pudesse ser aplicado, face ao que estava a ser a resistência das classes dominantes. Foi essa oposição das classes dominantes que determinou a necessidade de revolução, não foram os revolucionários que quiseram caprichosamente desencadear a insurreição. Lembremo-nos que os bolcheviques tudo fizeram para resolver pacificamente a questão da democracia e do poder soviéticos, a questão da guerra e da terra, nos meses da primavera e verão de 1917. Foi a recusa do governo provisório, das forças burguesas que determinou a necessidade de proceder ao assalto ao Palácio de Inverno.

Presentemente, temos dificuldade em imaginar uma crise revolucionária, por isso não temos alternativa que não seja furar com todas as armas da democracia para fazer avançar a transformação em direção socialista. Se mais à frente isso vai redundar em crise pela resistência reacionária, isso logo veremos.

Na esquerda e no centro-esquerda, os dados mostram como é decisivo procurar uma política muito larga de alianças. Como nos lembramos, dos meses que precederam o 25 de Abril, nós apelámos então a todos os homens honrados, à PSP, à guarda fiscal, à GNR para que se juntassem na tarefa de conquistar a democracia. É exatamente essa visão larga que a RC procurar ajudar a construir. Nós queremos formar um perímetro de forças tão vasto quando possível, que entre mesmo no território dos setores conservadores.

Eu creio que este ciclo que agora termina mostra como este problema de procurar uma base larga de apoio à transformação está longe de ser ativamente procurado pela esquerda. Neste perímetro, a exceção talvez seja a da conduta de António Costa, o qual sem dúvida mostra em diversos momentos a sua sensibilidade para esta questão. Ele mostra cuidar da sua mão esquerda e da sua mão direita. Podemos é claro suspeitar que o PS faz uma política de base larga sem procurar a transformação, apenas para manter a hegemonia pela hegemonia, sem afrontar o status quo. Pode até ser injusta essa suspeita, mas a eventual falta de programa, mesmo que fosse verdade, não nos deve desmerecer a virtude de uma política vasta de alianças. E essa deve ser característica da nossa linha política.

Num perímetro alargado de alianças, tão importante é a sua largueza com a busca de envolver os elementos mais recuados, como é importante cuidar da coesão e mobilização dos setores mais avançados. Isso significa que é necessário administrar a tensão interna no sistema. É necessário, por um lado manter a iniciativa para que desígnio da política da transição possa realmente avançar, como importa suportar em forte evidência técnico política as reclamações de transição. Ao desejar uma base larga, a RC tem de considerar a máxima importância em manter e alargar a força do componente mais avançado do processo de transição.

Nas vezes em que questões mais estruturais estiveram em debate neste ciclo, tivemos um importante fundamento técnico político por detrás da proposta de lei de bases de saúde e da habitação. No primeiro caso, isso deu azo a uma grande tensão pela intensa luta de interesses que dominou o debate. No segundo, caso foi possível uma aprovação pacífica, porventura pelo prestígio da sua principal animadora, a Helena Roseta. Em qualquer caso, o que importa é que no processo de alianças para cada uma das leis, se consiga ganhar avanços e se consiga manter coesa a locomotiva do processo transformador.

2ª lição: podemos perceber a ideia de que o teor economista dos acordos de 2015 era a única possibilidade para mudar de governo e que não era possível mais nada. Isso, é claro, é para nós inaceitável, uma vez que nos batemos sempre por fundamentar e adotar uma linha de transição e de reformas com, por exemplo, a publicação antiga das nossas linhas de mudança. Este fatalismo de que não era possível outra coisa pode ser explicada pela hipótese contrária, de que as forças envolvidas não queriam ou não sabiam reclamar outra coisa. Que não estavam dispostos a sair dos seus clichés. Mas façamos por exercício abstrato a concessão de que não seria possível outra coisa. O teor economista do programa de 2015, foi desde logo apontado, inclusive por nós, como podendo ser rapidamente cumprido e que ficaria livre para o PS administrar todo o tempo restante com iniciativa política própria, não articulada com o resto da esquerda. Portanto, o economismo inicial deveria ter dado lugar a maior substância política depois. A grande medida de substância política que o presente ciclo político abraçou foi a lei de bases de saúde, algo onde podemos reclamar iniciativa, visão e resiliência, na busca de um avanço construído em base larga. Lembremo-nos em como vastos setores do PS se pronunciaram contra a oportunidade de rever a lei, e como do lado PCP se manifestaram iguais reservas. Dizia-se, do lado do PCP, que não haveria correlação de forças para mudar o estado atual das coisas. Pelo nosso lado, insistimos em que a correlação de forças permitia, melhor do que no passado, batalhar por uma mudança. Que melhor contexto do que a existência de uma maioria parlamentar para ensaiar transformar esse dado em nova realidade política? Por outro lado, sempre sublinhámos que isto era uma batalha, com resultado incerto, como acontece em todas as batalhas. Mas não era uma aventura. Havia condições mínimas para tentar avançar. A posição recuada de setores do PS e da esquerda, mostra como há muita esquerda que ainda não saiu do sofá para ir à luta.

O problema do economismo no movimento dos trabalhadores é constituir uma forma de espontaneísmo uma vez que torna a evolução política dependente exclusivamente da luta económica da classe trabalhadora. Isso, na prática, faz com que essa luta económica fique desligada da luta política, sem desígnio ou plano de transformação social. Ao perder-se a noção política, tendem a sobressair os interesses estreitos, gremiais, corporativos, de profissões contra profissões, motoristas contra cobradores, camionistas de matérias perigosas contra camionistas de matérias não perigosas numa artificial e errada separação de interesses que sabemos serem objetivamente coincidentes. A recusa em ligar o interesse económico imediato do trabalhador com um objetivo geral de transformação política, leva por um lado o movimento sindical à derrota, e por outro torna-o terreno de safra para os projetos da direita de gerar escaramuças económicas que permitam fraturar a grande base de apoio à transformação social.

Este fenómeno da penetração da direita no movimento sindical está a fazer-se precisamente pela absolutização do economismo, com sindicatos novos que proliferam em bases profissionais estreitas para sabotar a unidade, mas não deixa de contaminar sindicatos antigos experientes. E porquê? Porque, como sempre fomos dizendo na RC, existe um desvio sindicalista na esquerda de valorização de reclamações sindicais que se sobrepõem ou fazem esquecer em como a natureza do movimento dos trabalhadores é geneticamente inclinado à mudança política. A RC bate-se para que o sindicalismo recupere a sua intencionalidade política e combate as formas retrogradas de um corporativismo de reclamações económicas que apareçam desligadas da mudança política ou até que se opõem a essa mesma mudança.

O que importa aqui fixar é que os acordos de 2015, pela sua natureza económica, constrangida ou deliberada, acabaram involuntariamente por facilitar o avanço do economismo e do tradeunionismo estreitos.

Por isso, um novo ciclo político carece decisivamente de se revestir de um plano de objetivos políticos mobilizadores que superem a unilateralidade do economismo em perigosa generalização. Para manter iniciativa histórica, um novo governo deverá contemplar um programa de objetivos de remodelação política para além dos objetivos económicos para a classe trabalhadora.

3ª lição: A esquerda à esquerda do PS, mantem uma posição errada em 2 domínios decisivos que a tolhem na iniciativa política, alimentam bloqueios no diálogo com o centro-esquerda, e a impedem de se constituir em motor do processo de transformação. A primeira questão é da atitude em relação ao processo de integração supra-nacional na Europa. Nesta matéria, a RC tem desde sempre uma posição clara: este processo tem razões objetivas de devir histórico e que a luta política pelo socialismo, nos impõe lutar por retirar iniciativa histórica às forças do capitalismo e conquistar no espaço europeu hegemonia política alargada. As posições de um soberanismo exacerbado que namoram com as ideias de desconexão de Portugal do processo europeu estão votadas à derrota. Nós também dizemos que o processo objetivo de integração pode sofrer um retrocesso e que há forças reacionárias crescentes que estão cada vez mais a trabalhar pelo desmantelamento da EU fruto do egoísmo das burguesias nacionais. Mas não nos confundimos com eles e não seremos nós a facilitar-lhes vida. Para nós, a conquista de maior influência dos segmentos mais avançados dos defensores do socialismo depende da vitória de um ponto de vista internacionalista que hoje ainda é manifestamente nebuloso à esquerda.

A segunda questão tem a ver com o programa de austeridade e a nossa posição no debate económico. Entre keynesiasnos e neoliberais, nós somos keynesianos. Nós valorizamos o facto de Keynes ser o arquiteto teórico do New deal americano que ajudou a combater o crash de 1929, estabelecendo um compromisso de estímulos económicos e um acordo com os sindicatos com defesa da posição salarial e do emprego nos EUA. Keynes é co-autor do grande entendimento de Roosevelt com os nossos camaradas nos EUA. Mas não é apenas por esta relíquia histórica que somos keynesianos. É porque Keynes representa um ponto de vista científico e robusto na doutrina económica que mostra como a administração de estímulos do lado da procura permite respostas económicas e ajuda a enfrentar os aspetos mais graves das crises capitalistas. Onde fazemos uma prevenção no keynesianismo é na sua ausência de considerações de classe. O estímulo em economia tanto pode servir para repor rendimentos da classe operária espoliados no ciclo anterior austeritário, como pode servir para o Berardo comprar ações a preço fictício do BCP com empréstimos do banco público. Com Keynes, ou com base numa certa generalização do seu legado, vimos Armando Vara, Ricardo Salgado e tantos outros serem bem estimulados. Hoje, há uma certa viragem keynesiana da retórica da OCDE, BCE e da reserva federal, pelos mesmos que antes gritaram pelas receitas de neoliberalismo.

Mas porque é que falamos disto? Porque nós somos keynesianos, mas não somos nem nunca seremos esbanjadores, nós, os trabalhadores não somos despesistas, não andamos a lidar irresponsavelmente com os recursos do planeta. Não são os de baixo que esbanjam, são os de cima que andam numa orgia de ostentação e somos nós que por formação, por origem social e por projeto, é que somos frugais, ambicionamos uma sociedade e uma economia equilibradas, com uso racional dos recursos, com redistribuição que possibilite a todos os excluídos usufruir dos prodígios do nosso planeta e do avanço tecnológico. No debate sobre défices e sobre despesismos, nós somos as vítimas não os agressores.

Na questão do défice público, e na questão conexa da dívida nós queremos alargar a nossa margem de manobra no uso do investimento com recursos próprios. Mas sabemos que isso está dependente da mudança da relação de forças na Europa, de haver força para adotar um programa de apoio ao desenvolvimento em coesão tirando partido das potencialidades deste enorme espaço. Nós defendemos que a proposta da nova Comissão Europeia seja derrotada no Parlamento Europeu, e apelamos à convergência de forças da esquerda e do centro-esquerda para construir uma maioria contrária a esta proposta de Comissão onde acabou por afirmar um ponto de vista de direita apoiado pela extrema-direita, por força dos ziguezagues do presidente francês.

Portanto, na luta histórica pelas boas contas é a esquerda que mostra boas praticas. Nós queremos mais estímulo económico, mas não é para esbanjar. É para melhorar a condição do nosso povo.

É, portanto, hora de fixarmos linha de orientação para o próximo ciclo: alianças alargadas, trabalho unitário, robustez na fundamentação técnico-política, valorização de uma política geral reformadora e mobilizadora que supere o economismo e uma orientação para a luta na UE a favor de um programa de estímulo económico em todo o Continente e uma orientação de apoio ao desenvolvimento cá dentro.



 

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