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14 DE SETEMBRO DE 2007, SEXTA FEIRA
por Jorge Nascimento Fernandes
Tempestade sobre um campo de milho transgénico: parte I
A acção contra o milho transgénico em Silves poderia ter passado desapercebida e ir a favor das preocupações ambientais dominantes se não tivesse sido aproveitada politicamente. A direita explorou todas as contradições quer da acção da GNR e do Governo, quer das primeiras opiniões de Miguel Portas e passou ao ataque descabelado e demagógico contra aquele e o BE. Esta manifestação insere-se numa linha anarquizante que vê na provocação e na “acção directa” a sua melhor forma para chamar a atenção dos media. Falhou redondamente e a acção de Silves foi mais negativa do que positiva.
Sobre a recente polémica relativa à destruição (17/8/07) de cerca de um hectare de milho transgénico, em Silves, por um grupo de ambientalistas de uma organização até aí desconhecida denominada Verde Eufémia, publicou recentemente o historiador de direita Rui Ramos um artigo de opinião no Público, de 12/9/07. Diz ele, em resumo, que os ambientalistas, a que ele chama activistas, estão a abrir portas já abertas dado que o mundo se converteu à “onda verde”. Assim, diz o autor: “a causa “verde” ganhou o debate público. Isto quer dizer que pode, crescentemente, contar com a lei e a força da lei. Ora, para uma causa nesta situação, não convém dar cobertura à “acção directa”, isto é declarar a lei irrelevante.” É evidente que todo o artigo visa diminuir este tipo de acções, ridicularizando-as até ao limite. No entanto, não deixa de ter alguma razão quando considera que, do ponto de vista da ideologia dominante (esta afirmação é minha), o ambientalismo pode ser defendido, dentro de certos limites – digo eu –, “por poderosos interesses comerciais, como sejam os da indústria das energias alternativas”. Não é Carlos Pimenta, do PSD, um dos rostos mais visíveis da energia eólica?
Nesta perspectiva, a luta contra os OGM é igualmente assumida por diversas correntes políticas e ideológicas, quer em Portugal, onde este fenómeno é muito menos visível, quer na União Europeia, podendo a mesma, variando consoante a prática política dos diversos agrupamentos, ir da extrema-direita, dos neofascista italianos, até à extrema-esquerda. Por esse motivo, é normal haver referências favoráveis nos media dominantes a acções, posições e manifestações públicas dos diferentes grupos ambientalistas contra os OGM.
Acções semelhantes a esta já se tinham verificado em Portugal, estou a lembrar-me daquela que foi desencadeada pelo Greenpeace contra o desembarque de milho transgénico no Porto de Lisboa (1997), que contou com o apoio activo da Quercus, e são normais em Inglaterra e em França, onde se destacou Joseph Bové, que foi recentemente candidato presidencial naquele país. A que foi realizada no estuário do Tejo teve até imprensa favorável, não concitando, como esta, a condenação política e opinativa.
Nesta perspectiva, poder-se-ia pensar que os Verde Eufémia, grupo pelo vistos criado unicamente para esta iniciativa, acompanhando o normal evoluir da opinião pública e dos media se deixaram arrastar para esta iniciativa, sem terem previsto a tempestade que iriam provocar. Pensando eu que os próprios, ou pelo menos os que em espírito os apoiariam, não previram todas consequências políticas do seu acto, ou seja, que ele teria muito mais consequências negativas do que positivas: doravante quando se falar em Portugal em lutar contra os OGM todos se lembrarão dos encapuçado de Silves. A verdade, é que este grupo sabia ao que vinha e já não era a primeira vez que actuava assim.
Provavelmente Rui Ramos tem razão quando no seu artigo afirma que os “activistas podem argumentar que os legalistas do movimento se renderam ao “sistema”, ou que é preciso abandonar pragmatismos e cautelas e ir mais longe”. Esse passo já tinha sido dado. Ainda recentemente, num colóquio organizado na antiga Faculdade de Ciências, à rua da Escola Politécnica, um grupo, penso eu, ligado ao GAIA – que parece ter estado ligado a esta acção de Silves –, irrompeu de abrupto na sessão, primeiro filmando tudo, como para intimidar os presentes, depois desfraldando cartazes e por último, perante a enorme paciência do presidente da mesa, interrompendo quando bem entendia qualquer intervenção da assistência. Disseram-me na altura que uma acção deste tipo já tinha sido realizada num debate efectuada no Alto Alentejo. Ou seja, estamos perante um caso em que estes ambientalistas abandonam o respeito pela legalidade, eu diria, pelas regras do “sistema”, e enveredam deliberadamente pela provocação ou “acção directa”.
Estamos pois confrontados com acções anarquizantes, cujos mentores visam desmascarar o poder reinante ou provocar a repressão, que já deram origem a algumas arruaças e manifestação “espontâneas”, cujo último exemplo foi a marcação de uma manifestação para o dia 25 de Abril, na Praça da Figueira, paralela às comemorações populares do mesmo e a outra, organizada pelo Movimento Não Apaguem a Memória, que decorreu em frente da antiga sede PIDE, e que não obedecia a qualquer convocatória legal, que provocou, neste caso, grande repressão policial e profundas divisões na esquerda, que não soube, como é seu costume, lidar com este caso. Manifestações deste tipo são o pão-nosso de cada dia no estrangeiro, permitindo sempre que as manifestações anti-globalização se transformem em fonte de destruição e de vandalismo, quer pela acção da polícia, quer pelos manifestantes. Têm sido estas imagens que têm permitido a cabos de esquadra como o Sr. Pacheco Pereira lançar os seus anátemas sobre os “filhos de família” que se manifestam contra a globalização e que mais uma vez serviram para a direita e os comentadores do costume exercerem a sua vocação policial.
Pensando eu que esta acção ultrapassou largamente os objectivos dos seus organizadores e, acima de tudo, de todos aqueles que neste país têm empreendido a luta contra os OGM, como seja a Plataforma Transgénicos Fora, que se demarcou parcialmente da iniciativa, a verdade é que a sua repercussão pública foi extremamente negativa e, nem os media, que foram chamados ao local para assistir ao evento, conseguiram posteriormente transmitir a ideia de uma saudável manifestação de irrequietismo juvenil contra as “sementes do diabo”.
É evidente que estou contra as conclusões do articulista citado inicialmente que considera que, como esta causa já é dominante na opinião pública, este tipo de acções não tem qualquer apoio mediático e político. Penso, pelo contrário, que foi a posição inicial do Miguel Portas, do Bloco de Esquerda, corrigida posteriormente por ele, e a actuação benevolente da GNR, que permitiu imediatamente à direita desencadear todas as baterias pesadas sobre o acontecimento, inclusive o sempre parco Cavaco Silva. CDS e PSD, na sua luta contra o Governo, manifestaram-se contra a “passividade” e “complacência” da GNR e a actuação do Ministério da Administração Interna, associando esta acção aos assaltos e à falta de segurança nas ruas. O Ministro da Agricultura atacando o Bloco de Esquerda, em resposta às críticas que este tem feito ao Governo e tornando claro que o PS de Sócrates, não alinha pelo de António Costa, não fazendo acordos com tal gente. Toda a direita e os seus comentadores contra PS e Bloco de Esquerda, quer pela raiva que o recente acordo de Lisboa provocou nas suas hostes, quer para poderem zurzir nos manifestantes encapuçados, os tais “betinhos” e “filhos de família”, sem ter o odioso de apoiar a repressão policial, como recentemente sucedeu na já referida manifestação da Baixa lisboeta. O PCP é o único que permaneceu calado, nem tugindo nem mugindo.
Os que são contra o “sistema” foram vítimas da mais descarada demagogia do “sistema”. Sobre os OGM, propriamente ditos, é que pouco se falou, mas isso fica para artigo posterior.


 

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